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Informações e curiosidades do mundo da saúdeUma revisão feita pelo Professor Renato M E Sabattini

Alguns dados da literatura científica recém publicada sobre o SARS-CoV-2 (novo coronavírus da síndrome respiratória aguda severa) que se espalha com uma velocidade extraordinária pelo mundo. Espero que não seja uma explicação muito técnica, mas acho que dá para entender (veja a ilustração, cortesia de SPQR10). Existem cinco diferentes espécies de coronavirus que afetam humanos, e várias dezenas que afetam animais, inclusive cães. Já existem vacinas para alguns deles, disponíveis em clínicas veterinárias (não funcionam para o CoV2).
- O vírus originou-se a partir de uma infecção de algum animal exótico consumido por um ou mais seres humanos em Wuhan, China,, e sofreu rápidas mutações, pois encontrou uma situação favorável de acoplamento e infecção das células do pulmão, fígado, intestino, rins e coração humanos, pulando do reservatório natural animal, para nossas células. Mas poderia ser de qualquer animal, inclusive cães (consumidos amplamente na Ásia), caso o CoV sofra uma mutação que o permita infectar seres humanos.
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O coronavírus 2 é semelhante ao vírus que causa resfriados simples e doenças gravíssimas como SARS e MERS, e tem o seu genoma na forma de uma fita única de RNA em sentido positivo (tecnicamente: positive sense single strand ribonucleic acid, ou +ssRNA), algo bem próximo do que devia constituir os primeiros organismos mais primitivos surgidos na Terra há cerca de 4 bilhões de anos. É algo muito estranho, que pode ser considerado um ser vivo ou não, mas que é um hóspede obrigatório, ou seja, como todos os vírus, é acelular (não é propriamente uma célula, como de bactérias) e somente se reproduz entrando em células mais complexas, como a de vertebrados.
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Seu genoma é extremamente primitivo tendo apenas 33.000 bases de RNA, que comanda a síntese de apenas 4 proteínas: E (envelope), M (membrana), S (spike ou espícula) e N (nucleocapsídeo, que se liga ao RNA). A síntese de novos vírus é feita pela maquinaria genética da célula hospedeira, que é "sequestrada" pelo vírus, e que produz as proteínas e duplica o RNA do vírus. Nessa produção, milhares de novos vírus são produzidos dentro da célula, que depois em auto-defesa se suicida (apoptose) provocando a saída dos vírus gerados para o exterior, e assim por diante.
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Ao chegar na superfície de uma célula vertebrada, a espícula do vírus se liga a um receptor de superfície de membrana, que existe naturalmente lá para funções bioquímicas comuns da célula. Em seguida, o vírus injeta seu RNA dentro dessa célula. Pesquisas mostraram que um receptor de membrana chamado ACE2 (Angiotensin Conversion Enzyme 2) tem alta afinidade química por uma conformação proteica na ponta da espícula. Uma forma de neutralizar o vírus seria desenvolver uma vacina para a glicoproteina que faz parte da espícula, ou uma droga que iniba essa ligação da espícula com a célula a ser infectada.
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O nosso sistema imunitário ao sentir essas proteínas estranhas, começa a produzir anticorpos contra as mesmas, mas que só podem agir sobre os vírus que ainda não penetram nas células do pulmão ou outros. Entretanto parece que, diabolicamente, uma dessas proteínas inibe a resposta do sistema imune, fazendo com a que a resposta seja mais fraca.
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Quando o sistema imunitário funciona bem, ele rapidamente elimina os vírus, ou inibem sua capacidade de entrar nas células, e infecção é leve a auto-limitada, exigindo apenas tratamento sintomático. Cerca de 4 anticorpos com essa capacidade já foram identificados no organismo de pacientes que se recuperaram e poderão ser usados na terapia antivirus, através de uma produção (cara) chamada de anticorpos monoclonais. Em algumas pessoas, no entanto, se a carga viral for muito grande, e/ou o sistema imunitário estiver comprometido, sendo mais fraco, o vírus sobrepuja todos os mecanismos de defesa orgânica natural e começa a destruir células e tecidos em velocidade cada vez maior. A morte das células (necrose) provoca as manifestações da doença COVID 19 e inflamação massiva, como tentativa "desesperada" do organismo de se livrar do vírus. Essa verdadeira tempestade acaba por causar mais mal do que bem, piorando a doença em uma cascata dificil de conter.
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O vírus passa por mutações com uma velocidade absolutamente extraordinária. Em apenas um mês na China, passou por 18 mutações. Um mês, depois, já na Itália, tinha acumulado 180 mutações. Até o dia 13 de março já tinham sido mapeados 410 mutações! O que é pouco ainda, para um genoma de 33.000 possibilidades! Provavelmente serão milhares até o final de 2020. Algumas dessas mutações podem tornar a cepa resultante menos ou mais agressiva e patogênica. Essas mutações são totalmente aleatórias, e o vírus não tem uma maquinaria, como as células de vertebrados, capaz de corrigir mudanças em bases simples do +ssRNA, o que explicaria sua grande variabilidade. O que causam as mutações? Essencialmente erros na reprodução do RNA pela célula infectada, o RNA nunca é copiado exatamente. Na realidade, essa variabilidade não é "proposital" mas é sua grande arma contra o sistema imune, pois o engana continuamente, a cada nova infecção. Também dificulta e muito o desenvolvimento de uma vacina baseada em antígenos proteicos, pois elas funcionam produzindo anticorpos que funciona como uma chave e uma fechadura: qualquer pequena variação na chave ela já não servirá na fechadura. Então, como acontece com a gripe, a cada ano teremos que desenvolver vacinas polivalentes contra as 3 ou 4 variantes predominantes do CoV2 no mundo, ou vacinas que funcionarão apenas em um ou dois países.
Bem, é isso. O vírus é uma maquininha molecular besta, de tão simples. Mas é impressionante como isso pode adoecer e matar milhões de pessoas, graças a um mecanismo também bem adaptado ao hospedeiro humano; a inoculação da única parte do nosso organismo que vive em contato permanente com o ambiente: o ar, inalado para dentro do nosso corpo pelo sistema respiratório! Por isso, a melhor proteção é filtrar esse ar, antes dele entrar nos pulmões. Entenderam? Máscaras com fator de filtro (FFP - Filter Factor Protection), de no mínimo grau 2 (quanto maior o grau, mais compacto é o espaçamento entre as fibras do material). Capazes de barrar 95% (N95) ou 99% (N99) das partículas virais.
Antes que alguém diga que foi o diabo que criou esse vírus, na realidade ele á o resultado de bilhões de anos de evolução natural, totalmente aleatória, através das mutações espontâneas, e que a cada reprodução do vírus tem um único objetivo: adaptar-se ao seu ambiente. O que chamamos de uma combinação de acaso e necessidade. Ou também, confirmando a hipótese do "gene egoísta", de Richard Dawkins. Não existe nada de "inteligência da Natureza" ai,é um mecanismo totalmente automático e uma propriedade da vida.
Crédito das imagens: De domínio público: Commons Wikipedia em inglês



